Assédio Archives - Página 2 de 2 - Protiviti

O Brasil tem se deparado com um crescente número de casos de violência sexual praticados por profissionais de saúde contra pacientes hospitalizados. Tais situações frequentemente têm grande repercussão na imprensa e nas redes sociais, causando enorme dano à reputação, prejudicando a credibilidade de grandes instituições hospitalares, suas administrações e, até mesmo, de seus profissionais.

O país chocou-se recentemente com a repugnante imagem captada por uma câmera escondida do médico anestesista que violentou sexualmente uma parturiente no município de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro. Não bastando esse caso, nesta semana, uma mulher de 38 anos denunciou ter sofrido um abuso sexual enquanto se recuperava de uma cirurgia em um renomado hospital particular de Belo Horizonte. A Polícia Civil de Minas Gerais investiga o caso, enquanto o hospital se coloca à disposição tanto da família, quanto das autoridades para que o caso seja apurado.

Somando às situações citadas, a Polícia Civil do Distrito Federal divulgou um aumento de 48% nas denúncias de importunação sexual praticadas por médicos entre 2021 e 2022.

Infelizmente, isso é apenas um pequeno retrato da situação. Em muitos casos, as vítimas preferem permanecer em silêncio a ter que se expor e divulgar o caso. É o frequente relato do sofrimento em dobro: a primeira dor, por ocasião do ato em si, e a segunda, por ter que tentar rememorar e relatar em detalhes o que aconteceu. Isso sem falar nos frequentes pré-julgamentos e abordagens inadequadas da questão por profissionais não habilitados ao tratar do tema e lidar com vítimas extremamente fragilizadas diante da cruel violência a que foram submetidas.

O assunto já despertou a atenção do parlamento brasileiro. Desde fevereiro, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 39/2022, que altera o Código Penal, aumentando a pena do crime de importunação sexual em dois terços, caso tenha sido praticado por médicos ou profissionais de saúde no exercício de suas atividades profissionais, seja em hospitais ou seus consultórios.

Não há, portanto, outro caminho ao sistema hospitalar do que atuar incisivamente para prevenir e combater tais situações. Mas o que pode ser feito? Como as instituições hospitalares podem e devem atuar para prevenir tais situações?

O ponto de partida é o estabelecimento de um robusto programa de prevenção e combate à violência sexual de pacientes hospitalizados. Baseado nos pilares da prevenção, detecção e correção, esse programa deve conter uma série de ações que envolvam os diversos níveis da instituição hospitalar, de modo a assegurar que tais práticas não venham a ocorrer e, caso aconteçam, que tenham sido adotadas todas as medidas possíveis para evitar tal problema.

No quesito prevenção, é necessário que os códigos de conduta ética da instituição hospitalar tratem especificamente da questão e que os profissionais de saúde sejam periodicamente treinados e, além de estarem cientes dos comportamentos que são ou não admitidos do ponto de vista ético, e prontos para denunciar suspeitas contra outros profissionais. Também é recomendável a realização de campanhas educativas a fim de esclarecer e deixar claro o repúdio da instituição a qualquer prática relacionada ao tema.

No que diz respeito à detecção, é preciso que a instituição hospitalar disponha de canais de denúncias independentes e que permitam o reporte de situações de violência sexual contra pacientes, tanto pelos próprios profissionais de saúde, que podem testemunhar o que ocorreu, quanto pelo público externo, incluindo pacientes e seus familiares. Vale destacar que, embora canais internos de denúncias sejam relativamente comuns nos meios hospitalares, canais de acolhimento ao público externo ainda são raros. Também é preciso dispor de um sistema de investigação interna independente e capacitado para apurar os fatos, podendo inclusive ser necessário o apoio, nos casos mais críticos, de profissionais ou empresas especializadas.

Quanto à questão corretiva, é absolutamente importante dispor de um sistema efetivo de responsabilização que puna exemplarmente eventuais culpados, independentemente do nível hierárquico e de outras questões a eles relacionados. Além disso, é preciso ter regras de governança que assegurem o devido reporte à alta administração da instituição para as devidas medidas corretivas e, se for o caso, a tempestiva comunicação a autoridades externas, considerando que tais práticas, em geral, são tipificadas como crime e, portanto, passíveis de responsabilização na esfera penal.

É razoável pressupor que o aumento recente dos casos notificados decorra, felizmente, de uma mudança cultural em curso, que fez com que vítimas se sentissem encorajadas a denunciar e a buscar a reparação dos danos por elas sofridos. E, quanto mais se der divulgação a isso, mais casos serão conhecidos.

Exatamente por isso, para não ter sua imagem e reputação destruídas, as instituições hospitalares precisam atuar incisivamente de modo a possuir um programa sólido de prevenção à violência sexual contra pacientes. Os recorrentes casos amplamente divulgados em todo o País indicam que não há mais espaço e tampouco tempo para que essas instituições fechem os olhos e deixem de enfrentar essa importante questão.

Pacientes hospitalizados e seus familiares já se encontram em uma situação de fragilidade e vulnerabilidade pela questão de saúde em si. Submetê-los a uma violência de cunho sexual por quem deveria estar ali para cuidar justamente não é apenas repugnante do ponto de vista ético, é cruel e desumano!

Mário Spinelli é professor da Escola de Administração de Empresa de São Paulo da FGV e atual diretor executivo de Compliance Regulatório na ICTS Protiviti, empresa especializada em soluções para compliance, investigação, gestão de riscos, proteção e privacidade de dados. Foi ouvidor-geral da Petrobras, controlador-geral do Município de São Paulo e controlador-geral de Minas Gerais

A violência doméstica contra as mulheres está presente nos lares e nos ambientes corporativos. Existe uma questão cultural e histórica que permeia nossa sociedade. E por que falamos em questão cultural e histórica? Porque os reflexos da violência sexual, psicológica ou física estão inseridos no seio familiar cujo agressor, geralmente do gênero masculino, impõe o seu domínio sobre o gênero feminino.

Para os casos de assédio, já ouvimos relatos de que a vítima mesmo demonstrando aparente consentimento na relação com o superior hierárquico tinha esse comportamento por não enxergar alternativa em denunciar o agressor, sob as justificativas de que dependia do trabalho para prover o sustento de sua família, por não acreditar na confidencialidade, medo de retaliação, preconceito vindo até de mulheres e a sensação de impunidade, culturalmente institucionalizada.

Nos últimos tempos, casos de agressões contra a mulher, assédio, violência doméstica ou discriminação são manchetes impactantes. Diante do cenário atual, fica gritante a fragilidade com a qual estamos tratando o tema, sendo assim, a mea culpa é coletiva.

O ponto crucial não está relacionado apenas ao compliance, mas, sim, em restaurar a dignidade de quem está sofrendo a violência. Atualmente, no Brasil, poucas empresas destinam seus canais de denúncias para focar no recebimento, acolhimento, tratativas de assédios e no combate à violência contra a mulher e a família.

Frases como “veste o uniforme e desfila para eu aprovar”, “faça o que eu mando, porque sou o chefe”, “você pretende ter filhos”, “você está amamentando”, “não vou te promover porque você está na fase de ter filhos”, “está gostosa com essa roupa”, “isso é falta de sexo” ou “eu estou com vontade de você” devem ser exterminadas do vocabulário de gestores e executivos, nos setores públicos e corporativos. Os exemplos mencionados são frases reais coletadas a partir de apurações.

O interessante é que, quando os suspeitos de agressões dessa natureza são entrevistados e perguntados se direcionariam a mesma energia e abordagem a pessoas do mesmo gênero, eles respondem que não, e costumam tratar o assédio como um mero erro, dividindo a responsabilidade com a vítima.

Dentro dos lares, apesar de, hoje em dia, a dependência ter se tornado cada vez menor, a situação é fomentada pelo agressor para continuar “dominando” e criando pressões psicológicas no sentido de colocar a sensação de impotência, deixando mulheres e crianças reféns. Inclusive, muitas vezes, quando o caso chega à delegacia, solicitam que a autoridade policial não prenda o agressor, tamanha é a pressão psicológica vivenciada.

Não pretendemos apontar a melhor ou mais eficaz forma de apuração. Pelo contrário, o intuito é instigar que os setores público e corporativo movam-se da inércia, pois todos sabemos o que deve ser feito. Apesar de vários mecanismos estarem disponíveis, por exemplo, os canais de denúncia, aparentemente isso não é o bastante, pois as ações devem ir muito além, tratando as causas do problema e não os sintomas.

*Especialistas em investigações corporativas na Protiviti, empresa especializada em soluções para gestão de riscos, compliance, ESG, auditoria interna, investigação, proteção e privacidade de dados

Fonte: Hoje em Dia
https://www.hojeemdia.com.br/opiniao/opiniao/mulheres-enfrentamento-ao-assedio-sexual-e-as-violencias-domesticas-e-de-genero-1.912591

“O enfrentamento do assédio sexual deve ser feito, portanto, por meio de um conjunto de medidas que visem prevenir, detectar e penalizar os envolvidos.

O mundo corporativo tem presenciado crises de reputação em relação a casos de assédio sexual no trabalho. Não são raras as empresas que têm dificuldade de enfrentar a questão, preferindo abafar os casos ocorridos, ao invés de dar tratamento adequado a um tema tão importante, intimamente relacionado ao respeito à dignidade humana.

O caso recente da Caixa trouxe o problema ao debate público e evidenciou a importância do estabelecimento de regras que garantam seu adequado enfrentamento. Sabendo que os dados psicológicos do assédio são muitas vezes, irreversíveis, há pessoas que perdem até mesmo a própria capacidade laboral. Isso sem contar que, frequentemente, efeitos do assédio ultrapassam as barreiras da empresa e abalam o convívio familiar e social, deixando sequelas que podem durar por toda a vida.

Do mesmo modo, não raramente, vítimas são tratadas com indiferença ou preconceito, imputando-se a elas a culpa pela transgressão ou por sofrerem pelos atos que “fazem parte de nossa cultura”. Sobre isso, em geral, é falacioso o argumento de que certas práticas seriam comuns e teriam sido supervalorizadas pela vítima, posto que não seriam ultrajantes ou agressivas.

Cada um, em função de aspectos psicossociais e de sua própria história de vida, pode reagir diferentemente. Um episódio que traga algum constrangimento de ordem sexual contra uma mulher que, por exemplo, sofreu alguma violência na infância ou adolescência, pode ser o gatilho para desencadear problemas psicológicos graves na vida adulta.

Outro efeito perverso do assédio sexual é a sensação de insegurança causada nas vítimas ao passar a falsa impressão de que eventuais oportunidades ou promoções de carreira tenham ocorrido não por competência ou talento, mas sim devido à aparência física ou a interesses de cunho sexual.

O enfrentamento da questão deve ser feito, portanto, por meio de um conjunto de medidas que visem prevenir, detectar e penalizar os envolvidos. Ou seja, é preciso desenvolver um programa sólido de combate ao assédio, tratando do tema com a importância que ele merece.

O primeiro ponto refere-se ao consagrado conceito do “tone at the top”, segundo o qual é preciso começar com o comprometimento da alta administração da organização em relação ao repúdio ao assédio sexual, sendo expresso em seu código de conduta ética, que deve conter dispositivos que estabeleçam a não aceitação a qualquer forma de violência nesse sentido.

Concomitantemente, é preciso instituir uma política de treinamentos sobre o assédio sexual, iniciando-se com os de maior nível hierárquico até chegar a todos empregados e colaboradores. O tema está relacionado a comportamentos de cunho sexual que causam constrangimento à vítima.

Assim, é preciso esclarecer que tipo de conduta é ou não aceitável no trabalho e os limites que precisam ser observados. Quanto ao controle e repressão ao assédio sexual, é essencial disponibilizar um canal de denúncia e acolhimento independente, que garanta o anonimato e a confidencialidade e que esteja submetido a controles que assegurem que os relatos serão corretamente tratados.

Para tanto, também é importante ter uma estrutura de investigação adequada, pois a apuração do assédio sexual muitas vezes é complexa diante da ausência de provas materiais, restando apenas a prova testemunhal. Práticas como o adequado acolhimento a vítimas fragilizadas ou a obtenção de informações de testemunhas com base em estratégias de oitivas são essenciais em uma investigação técnica e imparcial.

Também é necessária uma política de não retaliação a denunciantes, protegendo-as de eventuais perseguições.

Por fim, devem existir controles, com segregação de funções e mecanismos de reporte à alta direção, excluindo-se obviamente os denunciados, para assegurar a punição exemplar aos envolvidos, qualquer que seja a função por eles exercida.

A questão é complexa, mas há meios de enfrentá-la adequadamente.

Em um mundo conectado, aspectos como respeito aos direitos humanos e responsabilidade social são e serão considerados pelos mercados consumidores. Crises de reputação, além de custar muito, têm efeitos prolongados na imagem das organizações, alguns deles irrecuperáveis. Empresas que não se limitam a assumir compromissos formais, mas que realmente conferem a apropriada importância a questões como o assédio sexual e a discriminação, serão cada vez mais valorizadas pelo seu engajamento na construção de uma sociedade fundada no respeito à dignidade e no valor das pessoas.

* Mario Spinelli é professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e atual diretor executivo de Compliance Regulatório na ICTS Protiviti, empresa especializada em soluções para gestão de riscos, compliance, ESG, auditoria interna, investigação, proteção e privacidade de dados. Foi ouvidor-geral da Petrobras, controlador-geral do Município de São Paulo e controlador-geral de Minas Gerais

Fonte: Estadão | Blog Fausto Macedo

Historicamente, os canais de denúncias criaram corpo por uma razão que foi diminuindo com o tempo: recompensas financeiras. Ou seja, quando foi criado por governos, era oferecido uma remuneração por relatos que poderiam levar à prevenção de práticas ilegais.

Esse modelo ainda pode ser identificado em algumas situações, sendo a mais próxima de nossa realidade o Disque-Denúncias público, criado por José Antônio Borges Fortes, popularmente conhecido como Zeca Borges, que nos deixou precocemente no ano passado, e que oferece recompensas financeiras sobre paradeiro de criminosos.

No mundo corporativo, porém, o sucesso dos canais de denúncias se baseia em duas premissas: conhecimento do canal e confiança na sua governança.

O conhecimento do canal deve ser total

por que canais de denuncias falham

Ou seja, não se pode conceber que um funcionário não saiba da sua existência. Para que isto aconteça de forma correta, é necessário uma divulgação de seu propósito (que não deve se restringir a apenas um tema, como da corrupção), que passa pela escolha de um nome que o aproxime do seu público (“denúncia” nem sempre é a melhor palavra para se maximizar os relatos), contar com uma campanha de divulgação massiva e constante (tendo sua publicação em todos os materiais de circulação da organização) e permitir a opção por diversas formas de contato (a limitação ao ambiente web é um erro a se evitar, pois aproximadamente metade dos casos são relatados por voz).

Para se medir o conhecimento do canal, a boa prática rege que ao menos uma vez ao ano todos os funcionários sejam indagados sobre sua existência.  Este indicador deve fazer parte das métricas de sucesso das áreas por ele responsável.

Garantia do sigilo, a não retaliação e a resolução dos assuntos

A confiança, por sua vez, é mais complexa de ser obtida, pois vai além da ferramenta dos canais de denúncias. Denunciantes querem a garantia do sigilo, a não retaliação e a resolução dos assuntos. Sem estas condições, optará pelo silêncio ou por caminhos alternativos. Para garantir estas questões, recomenda-se a utilização de um canal externo, que tenha um sistema de casos protegido e capaz de circular diferentes assuntos para públicos distintos e de forma automática – a boa prática para casos ligados ao nível executivo, por exemplo, é a direta comunicação com o conselho de administração. Adicionalmente, faz-se necessária uma política clara e efetiva de não retaliação de denunciantes, de modo a assegurar que eles não sofrerão nenhuma punição ou não serão prejudicados por conta de seu relato, seja ele qual for.

Leia também: Assédio sexual: como as empresas devem enfrentar esse problema?

Em relação à resolução do problema, ela começa com a capacidade de triagem e priorização da ouvidoria. Como poucas empresas têm estrutura exclusiva própria, recomenda-se que o fornecedor do canal tenha esta capacidade, ou seja, tenha estrutura investigativa própria. No caso de investigação de assédios, pouquíssimas empresas contam com esta capacitação, que difere de uma investigação de fraude pela necessidade de acolhimento do denunciante e pela limitação de documentação característica. A ferramenta do canal deve ser capaz de evidenciar todos os procedimentos investigativos acerca das denúncias, baseando-se em regras de governança e controles que assegurem que todas as denúncias serão tratadas e, se for o caso, que as penalidades previstas sejam aplicadas, independentemente do nível hierárquico do denunciado.

O check list acima certamente deve ser averiguado pelas empresas que utilizam esse serviço para que ele seja, de fato, operado de forma eficiente, pois o assédio, infelizmente, está enraizado em nossa sociedade.

* Fernando Fleider é CEO da Protiviti, empresa especializada em soluções para gestão de riscos, compliance, ESG, cibersegurança e privacidade de dados, e da Aliant, sua plataforma de soluções digitais.

Leia também: Assédio sexual: denúncias crescem e exigem mais cuidados das empresas

O relato de casos de assédio sexual deixou de ser um tema velado nas organizações e tem ganhado relevância a cada dia. Esse cenário é um reflexo de uma sociedade mais consciente sobre esta questão e de um público mais seguro em trazer os fatos à tona. Pesquisas mostram que, dentro das empresas, esse tipo de violência é o segundo maior dos indicadores de registros nos canais de denúncias e acolhimento, principal mecanismo utilizado para relatos deste tipo.

Casos complexos envolvendo grandes nomes do universo da mídia, assim como o alto escalão de empresas, tal qual estamos acompanhando agora com o presidente da Caixa Econômica Federal (CEF), que acaba de pedir demissão, trazem questionamentos sobre quais cuidados devem ser tomados antes que a conduta inapropriada tome proporções que saiam do controle e, pior, acabem circulando apenas nos bastidores e nos corredores das organizações sem que nenhuma providência seja tomada. Nessa equação, somamos o impacto causado nas vidas das vítimas – incluindo questões de saúde mental, aos estragos causados na imagem das empresas, sem contar as consequências legais e as perdas financeiras.

É preciso reconhecer que os profissionais passaram a ter vozes sobre fatos que ocorrem dentro das empresas. Contudo, isso exige uma atenção maior na apuração para o estabelecimento de uma cultura de confiança corporativa. Sob este aspecto, o canal de denúncias é um dos mecanismos que apoiam as empresas e seu principal pilar deve ser a confiança. Mas, para que isso se estabeleça, se faz necessária uma governança de apuração independente e integrada. No caso da CEF, segundo relatos à mídia, as vítimas não denunciaram o abuso por supostamente não confiarem no canal existente e, consequentemente, temiam perseguições e outras consequências.

assédio nas empresas

Para se estabelecer esta confiança, um canal de denúncia precisa, em primeiro lugar, resguardar o denunciante a todo tempo, inclusive após a apuração para a constatação da procedência ou não da denúncia. Por isso, é necessária uma estrutura de segurança de informações e um fluxo correto dos envolvidos. Caso um CEO, por exemplo, seja a figura denunciada, apenas o Conselho deve ser envolvido no processo.

A estrutura do canal deve envolver profissionais capacitados, metodologias e processos. A atividade pode ser realizada pela própria área de ouvidoria da empresa, como no caso da Petrobras, ou por um provedor de canal capacitado para investigações, pois muitas empresas não contam com uma área de ouvidoria com esta responsabilidade.

Em linhas gerais, como o assédio e as agressões ocorrem nas relações interpessoais e não necessariamente deixam provas ou evidências materiais, quando o denunciante ou as vítimas são identificados, é recomendado que eles sejam ouvidos por profissionais capacitados em entrevistas confirmatórias. Nos casos de assédio sexual, o entrevistador deve preferencialmente ser do mesmo gênero da vítima. O início da apuração foca na compreensão dos detalhes e das circunstâncias, assim como são coletadas as percepções sobre as motivações para a realização da denúncia e o grau de veracidade dos relatos.

Existem casos em que as vítimas apontam a existência de trocas de mensagens ou imagens de câmeras que podem indicar a agressão. Neste cenário, é fundamental a captação e a análise destes dados de forma que possam ser utilizados na justiça, que é a coleta forense. Porém, sabemos que em muitos casos não existem registros do assédio, por isso é importante entrevistar possíveis testemunhas ou outras pessoas que fazem parte do ambiente e do convívio com o suposto agressor. Por fim, na maior parte das situações, o denunciado é entrevistado para que forneça sua versão dos fatos e tenha o direito ao contraditório, permitindo que os entrevistadores tenham uma visão completa do caso.

O canal de denúncias é um serviço que exige atenção das empresas pela sua importância e sensibilidade. Estamos diante de fatos que podem destruir marcas, aumentar o turnover, elevar os problemas de saúde dos profissionais e perpetuar práticas que devem ser expurgadas de uma sociedade diversa e inclusiva.

*Fernando Fleider, CEO da Protiviti, empresa especializada em soluções para gestão de riscos, compliance, ESG, cibersegurança e privacidade de dados, e da Aliant, sua plataforma de soluções digitais.

Fonte: Grupo Gestão de RH

De acordo com dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST), somente em 2021 foram registrados 52.936 processos motivados por assédio moral nas empresas. A estatística superou de maneira significativa a estatística do ano anterior, que registrou 12.529 casos levados à Justiça.

Por mais que o assédio moral passe longe de ser um fenômeno social novo, no meio jurídico o assunto não é tão antigo quanto a prática. O mestre em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela PUC/SP e sócio do Barcellos Tucunduva Advogados, Decio Daidone Jr., destaca que o assédio moral “se caracteriza por humilhações, cobranças constantes ou exposição do empregado a situações vexatórias ou constrangedoras, bem como críticas infundadas ou perseguições”.

O especialista lembra que o assédio, além de afetar a reputação da empresa, pode comprometer sua produtividade. Já para quem é assediado, além do dano à honra e à dignidade, a situação pode trazer sérios problemas clínicos e psicológicos. Por isso, a direção deve intervir ao menor sinal do problema.

“Se alguma atitude demorar para ser tomada, e houver mais de uma vítima, poderá ser considerado negligência da empresa, pois ela tinha fatos, elementos ou indícios de um comportamento desregrado”, explica o advogado.

A importância do canal de denúncias e as consequências do assédio

Segundo Cassiano Machado, sócio-diretor da Protiviti Brasil, o aumento dos relatos não se resume necessariamente a um “boom” de novos casos, mas sim pela adoção do canal de denúncias no ambiente empresarial (adoção espontânea e estimulada pela Lei Anticorrupção de 2013), o avanço do empoderamento e protagonismo dos colaboradores dentro das empresas e também o reconhecimento social sobre a importância da necessidade em seguir com uma denúncia, o que era enxergado de modo pejorativo.

Para combater o problema, um entendimento amplo sobre o assédio moral e o desenvolvimento de ações preventivas e corretivas devem encabeçar a estratégia de ação das empresas. Nesse contexto, a ferramenta se mostra de fundamental importância, à medida que as empresas têm melhor oportunidade de ação quando o problema é identificado em seu início.

Com a possibilidade de agir de forma rápida, as organizações são capazes de evitar que consequências graves possam vir a ocorrer tanto para elas próprias quanto, principalmente, para a vítima. A prática pode conduzir os indivíduos atingidos a problemas como ansiedade, depressão, dores de cabeça, distúrbios no sono, a percepção negativa sobre o ambiente de trabalho, dentre outras situações.

Além disso, os indivíduos que sofrem com o ato tendem a ter sua produtividade afetada, maior frequência de erros e a empresa encara um cenário maior de absenteísmo e turnover. “Se alguma atitude demorar para ser tomada, e houver mais de uma vítima, poderá ser considerado negligência da empresa, pois ela tinha fatos, elementos ou indícios de um comportamento desregrado”, explica Daidone Jr.

Como combater o assédio moral?

O grande desafio da liderança perante o assédio moral está no enraizamento dessa prática na cultura da organização. Nem todos enxergam e compreendem a gravidade do problema. Mais do que mudar o comportamento das pessoas, é preciso moldar o contexto em que elas co-existem, promovendo real conscientização e, consequentemente, uma mudança permanente de atitude.

Para Deives Rezende Filho, sócio fundador e CEO da Conduru Consultoria, o que está acontecendo na atualidade é uma espécie de “refinamento de assédio”. “Os novos modelos de trabalho chegaram com novas oportunidades para o assédio moral. Enquanto o estresse e excesso de tarefas deixam o trabalhador doente, o abuso de poder termina de destruir com a autoestima da pessoa. Os empregados, na maioria das vezes, acabam se submetendo a situações de assédio por se sentirem reféns e por medo de serem demitidos. Não há mais tempo para esperar: as empresas precisam, urgentemente, combater o problema através do investimento em ações que identifiquem os assédios desde o início”, diz.

Uma pesquisa da Harvard Business Review revela que funcionários infelizes produzem até 18% menos quando comparado aos demais. Já um estudo do iOpener Institute mostra que, quando motivados, os colaboradores são capazes de: produzir duas vezes mais, tirar 10 vezes menos licenças e aumentar em cinco vezes o tempo de permanência na mesma companhia.

O especialista em ética, diversidade e inclusão entende que faz parte de todos os ambientes corporativos, em especial os que trabalham com metas, a circulação de cobranças. Entretanto, é preciso que as exigências sejam feitas sem excessos verbais, ameaças, constrangimentos e exposição dos funcionários em questão.

“Adoção de código de ética, treinamentos com o corpo diretivo da empresa e também com os colaboradores, manuais de conduta, implementação de canais de denúncia e capacitação do RH para detectar rapidamente os casos e solucionar os conflitos são apenas algumas ações que ajudam no combate ao assédio moral. Após a constatação do assédio, é necessário que a empresa realize o acompanhamento e capacitação de profissionais capazes de auxiliar na solução do problema”, salienta Deives.

Talvez o impacto de mais fácil tangibilização seja a judicialização dos casos quando se obtêm uma clara dimensão do prejuízo financeiro incorrido pelas empresas ao serem condescendentes com a prática. Segundo uma análise feita pela ICTS Outsourcing baseada em informações do site JusBrasil, site que conecta pessoas à Justiça, um processo por danos morais tem valor médio de indenização de R$17.423,00. Com a soma dos custos advocatícios de 20% o montante por processo atinge a casa de R$ 20.907,60.

“Uma empresa que consiga capturar e atuar sobre cinco denúncias qualificadas de assédio moral por ano economizará cerca de R$ 100 mil ao evitar a judicialização destes casos. É um montante que sairia diretamente do resultado da empresa e que, agora, poderá ser utilizado em prol da sustentabilidade da organização, impulsionando vendas, eficiência operacional, satisfação dos empregados e um ambiente de trabalho ético e transparente“, exemplifica Machado.

Vale destacar que existem no Brasil leis municipais e estaduais que coíbem a prática do assédio moral no âmbito da Administração Pública. Também se encontra sob aguardo do Parecer do Relator na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP) o PL 6757, que busca criar uma legislação federal abrangente.

Nesse contexto legal difuso, cláusulas da Constituição Federal, Código Civil e CLT vêm sendo utilizadas pelo Judiciário para balizamento e direcionamento da qualificação e punição da prática de assédio moral nas empresas, sejam elas privadas ou estatais.

Fonte: Opinião RH