Ainda que o prêmio de incentivo a produtividade seja importante para alavancar a produtividade, é indispensável aplicar a auditoria interna aos processos.
por Thiago Fernando Ciola*
Com a finalidade de incentivar o quadro funcional que atua na operação primária da atividade canavieira, a qual é caracterizada pelo cultivo de cana-de-açúcar (produção agrícola) e fabricação de seus derivados (produção industrial), como o açúcar, o etanol e a bioenergia, o setor sucroalcooleiro, visando aumentar a produtividade laboral, habitualmente utiliza de políticas de remuneração variável para estimular os colaboradores a desempenharem suas funções de modo melhor, sempre com a superação do nível mínimo admissível de excelência, e, assim, garantir, como consequência natural deste estímulo, maior efetividade e resultados operacionais e financeiros mais eficazes e significativos.
Dentre os recursos que podem compor as políticas de remuneração variável, como a outorga de bônus, de participação nos lucros e resultados, de gratificações (funcional e por habilidades), de compra de ações da empresa (“stock options”) e de comissões, destaca-se a concessão de prêmios financeiros atrelados ao cumprimento de metas pré-estabelecidas.
Esses prêmios ou premiações, além de comporem o macroprocesso de bonificação e valorização profissional dos trabalhadores (que é responsabilidade de Recursos Humanos), correspondem a essência do programa de incentivo aos funcionários, cujo desígnio, já mencionado antes, é simples e axiomático: elevar a produtividade funcional e a qualidade dos serviços executados, via concessão de benefício(s) financeiro(s).
Pelo fato deste benefício ser uma forma de recompensa que atua na principal fonte da motivação humana, a entrega de bons resultados frequentemente alavanca a performance das equipes operacionais, fomenta a competitividade interna, tanto entre funcionários como entre times, além de possibilitar o aprimoramento de competências e habilidades, em razão de gerar engajamento no trabalho, proatividade e reforçar os valores culturais da corporação.
Para cumprir com a sua finalidade, o prêmio de incentivo a produtividade necessita de transparência integral para assegurar legitimidade, de regras formais, concisas e consistentes a fim de garantir integridade, de aprovação do Comitê de Remuneração para salvaguardar a equidade de participação, e, sobretudo, do comprometimento de todos os envolvidos, desde as áreas responsáveis pela sua gestão até os líderes dos entes elegíveis, assim como, das áreas de governança, áreas administrativas e dos fiscais de campo.
No contexto das usinas sucroalcooleiras, a prática de mercado observada é a concessão do prêmio de incentivo a produtividade aos colaboradores que atuam no processo agrícola, especificamente no tocante aos subprocessos do preparo de solo, tratos culturais, fertirrigação, plantio e colheita (corte, transbordo e transporte). Apesar de não ser usual e nem unanimidade, há organizações que agraciam esse benefício aos colaboradores das áreas industrial e de manutenção automotiva e industrial (as áreas administrativas, inclusive abrangendo o controle agrícola, não são elegíveis ao programa).
Prêmio de Incentivo à Produtividade: informações importantes
Como a natureza do prêmio é a superação do desempenho individual, só faz sentido, segundo as melhores práticas, a elegibilidade de profissionais e de áreas organizacionais que sejam passíveis de serem atribuídas metas quantitativas e na conjuntura destas terem viabilidade de mensuração a nível individual, caso contrário, haveria distorção conceitual do incentivo a produtividade e provável caracterização de natureza salarial do prêmio.
O programa de concessão do prêmio é estruturado através de metas quantitativas, que são definidas com base no tipo de trabalho realizado, em consonância as características de cada atividade realizada e a nível individual por colaborador (classe de cargo), com padrões determinados que precisam ser adequados, justos e devidamente divulgados (mais de uma meta é normalmente designada à cada área/serviço e a cada classe de cargo).
Além das metas, existem indicadores categorizados como penalizadores e bonificadores, como no caso de acidentes de trabalho e/ou quebra de maquinário/equipamento, os quais também podem abranger questões qualitativas, técnicas e/ou comportamentais, inclusive relacionadas a segurança do trabalho e a conformidade dos processos, que são aplicados sobre o resultado mensal das metas e que elevam ou diminuem o valor apurado do prêmio.
Legislação e regulamentação dos programas de incentivo
Antes da promulgação da lei nº 13.467/2017 (reforma trabalhista), a jurisprudência vigente, em termos trabalhistas e tributários, era de que o valor pago com habitualidade a título de prêmio tinha natureza salarial, corresponderia a contraprestação do trabalho e, portanto, se enquadraria no conceito de gratificação paga ordinariamente, devendo, por lógica, integrar o salário dos trabalhadores até mesmo para a incidência de contribuições previdenciárias.
Contudo, como o artigo nº 457 da CLT (Consolidação das Lei Trabalho) foi modificado pela reforma trabalhista de 2017, houve a retirada da natureza salarial dos prêmios, uma vez que a redação alterada de tal artigo foi explicita ao expressar que importâncias, ainda que habituais, pagas a título de prêmios e abonos não integram a remuneração do emprego, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário.
Tendo em vista que o parágrafo 4º do artigo nº 457 da CLT define “prêmios” como sendo as liberalidades concedidas pelo empregador aos seus empregados, em forma de bens, serviços ou valor em dinheiro, em virtude de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício das atividades, é de vital importância que a outorga desse benefício esteja suportada por critérios críveis e embasada em evidências que realmente corroborem o desempenho individual acima daquele esperado para a execução normal dos serviços
Prêmios concedidos que não representam uma performance acima do esperado, que não estejam alicerçados em metas verdadeiramente mensuradas, que foram/são pagos mensalmente durante o ano fiscal sem interrupção, inclusive em períodos de férias coletivas e na entressafra, e/ou que refletem percentual exacerbado ou superior ao salário pactuado em contrato estão sendo, aparentemente, reconhecidos pela jurisprudência trabalhista atual como natureza salarial, inclusive com decisões referenciando o artigo nº 9 da CLT, que discorre sobre a nulidade de atos praticados com objetivo de fraudar os diretos trabalhistas.
Conformidade, riscos e a importância da auditoria interna
Sob as perspectivas de conformidade e riscos, é fundamental que o programa de incentivo a produtividade seja regularmente auditado, revisado e avaliado, pois o atingimento dos intentos pretendidos com a outorga do prêmio somente é susceptível de ser ratificado quando avaliações e exames são realizados. Nesse caso, considerando o conteúdo da NBC TI “Da Auditoria Interna” (norma expedida pelo Conselho Federal de Contabilidade), cabe a auditoria interna avaliar a integridade, adequação, eficácia, eficiência e economicidade dos processos, dos sistemas de informações e de controles internos, com vistas a assistir à administração da entidade no cumprimento dos seus objetivos.
Por meio dos procedimentos de auditoria, é precípuo e imprescindível verificar se as metas estabelecidas são factíveis de serem alcançadas e, principalmente, validar a consistência da produtividade de cada classe de cargo tipificada como dentro do esperado, a qual não deve ser remunerada via prêmio, isto é, examinar se a aferição da produtividade que definiu o desempenho dos colaboradores, de acordo com as funções existentes, como dentro do esperado faz mesmo sentido e se encontra ou não alicerçada por premissas adequadas.
Auditoria interna e adequação de valores do prêmio de incentivo
Para ponderar sobre as faixas de produtividade que são recompensadas por refletirem desempenhos acima do esperado, recomenda-se primeiro compreender e homologar a produtividade enquadrada pelos responsáveis como sendo aquela dentro do esperado para cada área, cargo e função. Por essa razão, a auditoria interna deve examinar essa questão básica, pois se ela não estiver adequada, precisa e substanciada por premissas legítimas, a concessão do prêmio e os seus objetivos já estarão incorretos e deficientes. De nada adiantará existir ações de incentivo a produtividade, se a organização não tiver mensurado corretamente quais são os desempenhos quantitativos elencados como dentro do esperado e acima do esperado.
Em citação análoga, não faz sentido um colaborador receber num mês o prêmio de produtividade por desempenho acima do esperado na proporção de 50%, 60%, 70% ou 90% do seu salário base/nominal, uma vez que, nesta circunstância, estaria evidente a existência de erros na formulação do programa de incentivo funcional, pois se o desempenho dentro do esperado, que não gera a outorga do prêmio financeiro, corresponde ao salário recebido pelo empregado por oito horas diárias de trabalho durante 30 dias, como conseguiria um colaborador aumentar em 50% o seu ganho mensal? Quer dizer, quantas horas, além das 40 semanais, seriam necessárias para que ele aumentasse em 50% a sua produtividade?
Do mesmo modo, não é adequado atribuir metas universais aos colaboradores elegíveis, como a moagem mensal (quantidade de cana-de-açúcar processada), aproveitamento de tempo de moagem, eficiência industrial, entre outras, já que a superação do trabalho mensal a ser premiada deve estar estruturada no menor nível de medição possível, por cada tipo de atividade e ser inerente a função exercida por cada serviço elencado, pois somente assim é possível reconhecer esforços individuais ainda que indicadores globais não sejam atingidos.
Nesse sentido, as metas devem considerar o perfil de cada subárea (preparo, tratos, plantio, CTT, etc.), os equipamentos e/ou veículos usados nas atividades e a natureza dos serviços. Por exemplo, os funcionários que atuam na colheita devem ter metas peculiares, próprias e diferenciadas, segundo cada tipo de maquinário/veículo utilizado (considerando, inclusive, a capacidade operacional destes), assim como, essas metas precisam ser distintas daquelas definidas às equipes que atuam no preparo de solo, mesmo porque, os trabalhos não são iguais. Por essa razão, a auditoria interna tem que examinar anualmente a adequabilidade das metas definidas e avaliar se os conceitos impregnados na formulação delas realmente são devidos e retratam as particularidades de todas as etapas do processo agrícola.
Obviamente, a validação das metas tipificadas e suas faixas ou escalas percorre a análise do cálculo de como a organização apurou/definiu a produtividade quantitativa inerente aos desempenhos superiores àqueles esperados para o exercício de cada função. Entretanto, o processo de auditoria tem que ir além e não ser jamais limitado ou restringindo. Questões relacionadas aos riscos existentes e a avaliação de efetividade dos controles internos, em especial os que contemplam as atividades de aprovação, revisão, conferência, conciliação e a própria segregação de função, são elementos indispensáveis a serem executados.
O processo de apuração mensal do prêmio, seja este efetuado de forma manual (planilhas) ou sistêmica, deve ser objeto de avaliação e recálculo (procedimento mandatório e crucial), incluindo conciliação dos inputs e das bases de dados. Um benchmarking de mercado também precisa ser considerado como procedimento natural para dar perceptibilidade aos tomadores de decisão acerca das melhores práticas de mercado vigentes e de novas tendências que, presumivelmente, poderiam fortalecer o programa implementado.
Outra questão que tem de ser examinada com profundidade é a possibilidade de elevação relevante dos riscos operacionais, em decorrência de, no afã de obter melhores resultados, os colaboradores beneficiários estarem, porventura, incorrendo em riscos ou assumindo mais riscos que normalmente assumiriam ou incorreriam para alcançar as metas fixadas. Além disso, as metas instituídas necessitam ser avaliadas comparativamente às metas estipuladas em outros benefícios, como no caso da participação de lucros e resultados, dado o fato de ser totalmente indevido o uso de metas iguais em benefícios/programas distintos.
Ainda que a concessão do prêmio de incentivo a produtividade seja um mecanismo bastante importante para alavancar a produtividade operacional das companhias sucroalcooleiras e sucroenergéticas, esse propósito de impulsionamento somente é capaz de ser atingido se os preceitos usados no desenvolvimento e manutenção do programa deste benefício forem apropriados, fidedignos e estiverem alinhados aos objetivos estratégicos da organização.
Para tanto, o uso e aplicação da auditoria interna são essenciais, uma vez que, a visibilidade quanto à conformidade, efetividade e adequabilidade de tal programa apenas é possível de ser dada pelo seu intermédio, já que ela, a auditoria interna, tem a função de agregar valor ao resultado das organizações, apresentando, à este fim, subsídios para o aperfeiçoamento dos processos, da gestão e dos controles internos mediante a emissão de recomendações que minimizem ou mitiguem as deficiências, fragilidades e/ou inconformidades identificadas.
* Thiago Fernando Ciola é consultor master da Protiviti, empresa especializada em soluções para gestão de riscos, compliance, ESG, auditoria interna, investigação, proteção e privacidade de dados.