Relatórios de sustentabilidade eficazes com métricas ESG pode ajudar as empresas a construírem a confiança dos investidores e do público.
Nestes últimos meses, uma sequência de eventos e acontecimentos que abrangem questões e métricas ESG (Environmental, Social and Governance) ganharam destaque na mídia. Entre elas, pandemias, mudanças climáticas, trabalho escravo, atuação de terceiros em desconformidade com a conduta da empresa e vazamento massivo de dados. Mas de que forma tudo isto vem impactando nas empresas, no mercado de capitais e, em última instância, no modelo atual de capitalismo e de sociedade em que vivemos?
Muito além de filantropia, os investidores vêm se atentando aos impactos que as questões ESG trazem às empresas e, consequentemente, aos seus investimentos. Neste sentido, o mercado de capitais vem cobrando um posicionamento e uma aceleração da maturidade dos standards setters, o que culminou na criação do ISSB (International Sustainability Standards Board) pela IFRS (International Financial Reporting Standards Foundation) e a entrada em vigor dos padrões mundiais de divulgação de sustentabilidade.
Tudo isso mostra a preocupação destes investidores com a má gestão das empresas, que, em muitos casos, são administradas de maneira míope, ou seja, com foco exclusivo em lucro e nos shareholders. Em contrapartida, nós, considerados os stakeholders, estamos bem-informados quanto às práticas ambientais, sociais e de governança das companhias.
A fim de ilustrar os impactos que as questões ESG trazem para as empresas, seguem alguns exemplos, bem como um paralelo quanto ao que o IFRS traz em seus frameworks e padrões para sustentabilidade.
No caso das vinícolas do Sul do Brasil, terceiros que atuavam para vinícolas brasileiras mantinham alguns de seus empregados em condições análogas à escravidão. Tal fato nos mostra a importância do gerenciamento da cadeia de suprimentos relacionadas às práticas trabalhistas, que podem resultar em multas regulatórias e, ou aumento dos custos operacionais de longo prazo.
Além disso, a ausência de um gerenciamento efetivo eficaz aumenta a chance de riscos reputacionais associados às ações do fornecedor. Para mitigar tais riscos, a métrica IFRS requerida para o setor de bebidas alcoólicas, prevê que as empresas se envolvam com os principais fornecedores por meio de auditorias especializadas e acompanhamentos periódicos para promover a resiliência na cadeia de suprimentos.
Correlacionando o impacto deste evento nas demonstrações financeiras, podemos pensar em menos receita em um curto prazo, consumidores que deixem de adquirir seus produtos, desgastes da marca, possibilidade de multas e processos judiciais, além de provável dificuldade de captação de recursos junto a instituições financeiras de primeira linha .
Também podemos citar as chuvas no litoral norte de São Paulo, que causaram 49 mortes no carnaval de 2023, além de destruir boa parte da infraestrutura de algumas cidades, exigindo um esforço coordenado entre governos municipais, estadual e federal.
Esse acontecimento tem relação direta com as mudanças climáticas, assunto prioritário na agenda de métricas ESG em todo mundo, e cujos impactos já estamos sofrendo no dia a dia. De acordo com a Métrica IFRS requerida para o setor de turismo relacionada às mudanças climáticas, os hotéis que operam em áreas expostas podem ser afetados por riscos como intempéries e inundações, além de enfrentarem prêmios de seguro mais altos.
Confrontando o impacto nas demonstrações financeiras, podemos pensar na diminuição da receita em um curto / médio prazo devido ao receio dos consumidores de se exporem a ocorrências climáticas. Por fim, o mercado financeiro está cada vez mais atento aos riscos climáticos, e o setor acaba ficando exposto principalmente no quesito do aumento de custo na contratação ou renovação de seguros.
E quanto ao caso SVB (Silicon Valley Bank), devido à política monetária de alta da taxa de juros executada pelo governo norte americano, em março de 2023, o banco norte americano enfrentou uma escalada rápida de saques após uma sinalização de prejuízos em seus investimentos de longo prazo. Para agravar os problemas do SVB, em matérias recentes na mídia foi publicado que havia uma aparente falta de supervisão do gerenciamento de risco por parte do conselho e da equipe de risco.
O SVB tinha um estatuto de comitê de risco documentando todos os componentes do gerenciamento de risco que deveriam estar em vigor para sua gestão. Então claramente havia uma desconexão entre o que eles diziam no papel e suas ações. O SVB ficou sem seu diretor sênior de risco por cerca de oito meses em 2022 e essa lacuna de liderança pode ter deixado o conselho e a equipe de gerenciamento de risco no escuro. Além disso, dos sete membros do conselho designados para o Comitê de Riscos do SVB, apenas um tinha experiência remotamente relacionada ao gerenciamento de riscos e nenhum, de acordo com as informações fornecidas na Declaração de Procuração 2023 do SVB, já ocupou um cargo sênior de gerenciamento de riscos.
Comparando à métrica do IFRS requerida para o setor de instituições financeiras relacionado com o evento do SVB, podemos inferir que seria possível para um gestor de riscos com certa bagagem, por meio dos resultados de testes de stress, realizar um planejamento para uma provável alta de juros pelo governo americano. Isso porque, dado o cenário pós Covid-19, no qual foi necessária uma injeção de dólares no mercado para recuperar a economia, tal medida resultaria em um maior nível de inflação em curto ou médio prazos.
Como vimos, a elaboração de relatórios de sustentabilidade eficazes pode ajudar as empresas a demonstrarem seu compromisso com as questões e métricas ESG e a construírem a confiança dos investidores e do público. Esses relatórios apoiam na identificação dos riscos e das oportunidades relacionadas a questões ambientais, sociais e de governança.
No entanto, é importante lembrar que a adoção de práticas e métricas ESG na elaboração de relatórios de sustentabilidade não são apenas uma questão de responsabilidade social corporativa. Essas práticas podem contribuir para a tomada de decisões de negócios inteligente, o engajamento dos stakeholders e o sucesso empresarial a longo prazo.
*Filipe Monteiro e Thiago Gomes são gerentes de Auditoria Interna e Assessoria Financeira da Protiviti, empresa especializada em soluções para gestão de riscos, compliance, ESG, auditoria interna, investigação, proteção e privacidade de dados.